Nota da SBD acerca do uso de ácido hialurônico

Informativo

Nota da SBD acerca do uso de ácido hialurônico

Nota técnica da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) acerca do uso de ácido hialurônico (AH) e risco de adenocarcinoma de pâncreas

Considerando a divulgação da publicação “Kim PK, Halbrook CJ, Kerk SA, et al. Hyaluronic acid fuels pancreatic cancer cell growth. Elife. 2021;10:e62645. Published 2021 Dec 24. doi:10.7554/eLife.62645” temos observado preocupação entre os colegas dermatologistas sobre riscos, particularmente a respeito do preenchimento com AH, em relação ao adenocarcinoma de pâncreas.

Assim, o Departamento de Cosmiatria da SBD, com a valiosa colaboração da doutoranda Marcelle Nogueira, USP, elaborou a seguinte nota técnica para os seguintes esclarecimentos:

1) Relação entre envelhecimento e carcinogênese

Sabe-se que inúmeros mecanismos relacionados ao envelhecimento cutâneo possuem interseções com vias metabólicas relacionadas ao câncer. Um deles é a clássica teoria do encurtamento de telômeros. 

A cada divisão celular, os telômeros são encurtados, induzindo senescência replicativa por instabilidade cromossômica e ativação do gene p53. Assim, após 50 a 60 ciclos celulares, a morte celular programada, denominada apoptose, é induzida nas células somáticas humanas. Desta forma, os danos de DNA acumulados no processo de envelhecimento não são perpetuados (Vaziri, 1997). 

Por outro lado, existem células capazes de superar a senescência através de mutações no gene p53. Estas alterações evitam o encurtamento dos telômeros, através da ativação da enzima telomerase, levando-as à “imortalidade”. Este é o processo que ocorre em inúmeras células neoplásicas (Preto, 2004).

2) Receptores CD44 nas células neoplásicas

O ácido hialurônico (AH) pode se conectar a diferentes receptores celulares como as hialoaderinas CD44 e RHAMM. A interação de AH e CD44 é capaz de ativar importantes vias de sinalização celular, regular modificações no citoesqueleto, ativar liberação de citocinas e promover migração e proliferação celular. É importante destacar que a CD44 está superexpressa em diversos tipos de tumores, como epiteliais, ovarianos, colônicos e gástricos, além de leucemias agudas. É também um marcador de superfície no câncer de mama, bexiga, fígado, pâncreas, cabeça e pescoço e melanoma (Simone, 2015). 

Em decorrência desta interação entre CD44 e AH, existe uma recomendação de cautela ao prescrever ácido hialurônico oral por longos períodos para pacientes com histórico de câncer. 

Estes mesmos receptores, entretanto, são amplamente acessados em tratamentos oncológicos na modalidade de terapias-alvo, quando quimioterápicos são combinados com AH para melhor direcionamento da droga até a célula neoplásica. (Pan, 2020)

3) Relação entre câncer de pâncreas e ácido hialurônico oral 

Muitos tumores malignos não possuem acesso direto a nutrientes triviais como glicose, lipídeos e aminoácidos, por terem perfusão inadequada. Para perpetuarem seu crescimento, estas neoplasias desenvolvem mecanismos capazes de obter nutrição a partir de substâncias extracelulares (Finicle, 2018). 

Ávidas por nutrientes, as células do adenocarcinoma ductal do pâncreas, por exemplo, interagem com células não neoplásicas, no microambiente tumoral, como fibroblastos e macrófagos associados ao câncer (Sousa et al., 2016; Dalin et al., 2019; Halbrook et al., 2019; Zhu et al., 2020; Lyssiotis and Kimmelman, 2017).

Em 2017, foi demonstrado que o colágeno é uma das fontes de nutrição das células do adenocarcinoma pancreático ductal. Em situações de escassez de nutrientes, a molécula de colágeno funciona como um amplo reservatório de prolina para a neoplasia (Olivares, 2017). 

Analogamente a esta linha de pesquisa, em 24 de dezembro de 2021, foi publicado o artigo “Hyaluronic acid fuels pancreatic cancer cell growth” (Kim, 2021), a hipótese de que o AH seria um combustível celular do câncer de pâncreas. O estudo foi realizado com culturas de células de três linhagens distintas de adenocarcinoma pancreático ductal, codificadas por HPAC, TU8988T e MiaPaCa2, e com camundongos imunocomprometidos de 6 a 10 semanas de vida. Nos experimentos realizados em laboratório, o tipo de AH produzido por fibroblastos associados ao câncer atuou como alimento para células neoplásicas do tumor. É um estudo in vitro, muito complexo, envolvendo modificação genética nas células e investigação de vias metabólicas muito específicas (Kim, 2021)

Estes estudos desenvolvidos em culturas de células ou em animais são importantes para direcionamentos acerca do metabolismo intrínseco de neoplasias, com a finalidade de buscar novas estratégias terapêuticas. Mas, são estudos pré-clínicos e, portanto, não podem ser extrapolados para a clínica. Além disso, apresentam menor grau de evidência científica que ensaios clínicos. 

Em outras palavras, os resultados do artigo citado não permitem nenhuma conclusão sobre risco de desencadeamento do adenocarcinoma pancreático ductal pelo uso do preenchimento com AH. 

Entretanto, nossas considerações finais são:

  • suplementos e vitaminas não são fiscalizados quanto à segurança ou eficácia em muitos países do mundo como Brasil, EUA e países da União Europeia, devido ao fato de entrarem no mercado como alimentos e não como medicamentos;
  • estudos mais consolidados são necessários para elucidar o efeito direto da administração oral de AH nas células neoplásicas;
  • até o presente momento não há evidências de circulação sistêmica de AH durante ou após uso de preenchedores injetáveis;

Assim, a Sociedade Brasileira de Dermatologia recomenda a todos os associados, neste momento:

  • adotar critério rigoroso ao prescrever suplementos e vitaminas por via oral, principalmente nos casos sem sinais clínicos ou laboratoriais de deficiência da substância suplementada;
  • não prescrever AH oral para pacientes com histórico atual ou pregresso de câncer;
  • não realizar tratamentos com AH oral ou injetável em pacientes com suspeita ou diagnóstico firmado de câncer de pâncreas. 

 

Marcelle Nogueira

Edileia Bagatin

 

Referências: 

Dalin S, Sullivan MR, Lau AN, Grauman-Boss B, Mueller HS, Kreidl E, Fenoglio S, Luengo A, Lees JA, Vander Heiden MG, Lauffenburger DA, Hemann MT. 2019. Deoxycytidine Release from Pancreatic Stellate Cells Promotes Gemcitabine Resistance. Cancer Research 79:5723–5733. DOI: https://doi.org/10.1158/0008-5472.CAN-19-0960, PMID: 31484670

Finicle, B.T., Jayashankar, V. & Edinger, A.L. Nutrient scavenging in cancer. Nat Rev Cancer 18, 619–633 (2018). https://doi.org/10.1038/s41568-018-0048-x

Halbrook CJ, Pontious C, Kovalenko I, Lapienyte L, Dreyer S, Lee HJ, Thurston G, Zhang Y, Lazarus J, Sajjakulnukit P, Hong HS, Kremer DM, Nelson BS, Kemp S, Zhang L, Chang D, Biankin A, Shi J, Frankel TL, Crawford HC, et al. 2019. Macrophage-Released Pyrimidines Inhibit Gemcitabine Therapy in Pancreatic Cancer. Cell Metabolism 29:1390–1399. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cmet.2019.02.001, PMID: 30827862

Kim PK, Halbrook CJ, Kerk SA, et al. Hyaluronic acid fuels pancreatic cancer cell growth. Elife. 2021;10:e62645. Published 2021 Dec 24. doi:10.7554/eLife.62645

Lyssiotis CA, Kimmelman AC. 2017. Metabolic Interactions in the Tumor Microenvironment. Trends in Cell Biology 27:863–875. DOI: https://doi.org/10.1016/j.tcb.2017.06.003, PMID: 28734735

Olivares O, Mayers JR, Gouirand V, et al. Collagen-derived proline promotes pancreatic ductal adenocarcinoma cell survival under nutrient limited conditions. Nat Commun. 2017;8:16031. Published 2017 Jul 7. doi:10.1038/ncomms16031

Pan DC, Krishnan V, Salinas AK, et al. Hyaluronic acid-doxorubicin nanoparticles for targeted treatment of colorectal cancer. Bioeng Transl Med. 2020;6(1):e10166. Published 2020 May 28. doi:10.1002/btm2.10166

Preto A., Singhrao S.K., Haughton M.F., Kipling D., Wynford-Thomas D., Jones C.J. Telomere erosion triggers growth arrest but not cell death in human cancer cells retaining wild-type p53: Implications for antitelomerase therapy. Oncogene. 2004;23:4136–4145. doi: 10.1038/sj.onc.1207564. 

Simone P, Alberto M. Caution should be used in long-term treatment with oral compounds of hyaluronic acid in patients with a history of cancer. Clin Drug Investig. 2015;35(11):689-692. doi:10.1007/s40261-015-0339-x

Sousa CM, Biancur DE, Wang X, Halbrook CJ, Sherman MH, Zhang L, Kremer D, Hwang RF, Witkiewicz AK, Ying H, Asara JM, Evans RM, Cantley LC, Lyssiotis CA, Kimmelman AC. 2016. Pancreatic stellate cells support tumour metabolism through autophagic alanine secretion. Nature 536:479–483. DOI: https://doi.org/10.1038/nature19084, PMID: 27509858

Vaziri H., West M.D., Allsopp R.C., Davison T.S., Wu Y.S., Arrowsmith C.H., Poirier G.G., Benchimol S. ATM-dependent telomere loss in aging human diploid fibroblasts and DNA damage lead to the post-translational activation of p53 protein involving poly(ADP ribose) polymerase. Embo J. 1997;16:6018–6033. doi: 10.1093/emboj/16.19.6018.

Zhu Z, Achreja A, Meurs N, Animasahun O, Owen S, Mittal A, Parikh P, Lo TW, Franco-Barraza J, Shi J,Gunchick V, Sherman MH, Cukierman E, Pickering AM, Maitra A, Sahai V, Morgan MA, Nagrath S, Lawrence TS, Nagrath D. 2020. Tumour-reprogrammed stromal BCAT1 fuels branched-chain ketoacid dependency in stromal-rich PDAC tumours. Nature Metabolism 2:775–792. DOI: https://doi.org/10.1038/s42255-020-0226-5, PMID: 32694827

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